domingo, 15 de maio de 2011

Na alegoria do Bom Pastor o sentido do mistério da Igreja – Uma reflexão de João Paulo II

“1. Nos 40 dias, que separam a Ascensão do Senhor da festa da Ressurreição, vive a Igreja o mistério pascal meditando-o na Sua liturgia, na qual ele se decompõe, poder-se-ia dizer, como num prisma. Lugar especial, nesta litúrgica contemplação pascal, ocupa a figura do Bom Pastor. No quarto domingo de Páscoa relemos a alegoria do Bom Pastor, que São João nos deixou no capítulo décimo do seu evangelho.
Já as primeiras palavras desta alegoria explicam o seu significado pascal. Cristo diz: Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas (Jo. 10, 11). Sabemos que estas palavras foram de novo confirmadas durante a paixão. Cristo ofereceu a Sua vida na Cruz. E fê-lo com o amor. Sobretudo desejou corresponder ao amor do Pai, que amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça mas tenha a vida eterna (Jo. 3, 16). Cumprindo «este mandamento recebido … do Pai» (Cfr. Jo. 10, 18) e revelando o Seu amor, também Cristo provou, de modo especial, o amor mesmo do Pai. Afirma-o no mesmo discurso, quando diz: Por isto o Pai Me ama: porque dou a Minha vida para tornar a tomá-la (Jo. 10, 17). O sacrifício no Calvário é sobretudo a doação de Si mesmo, é o dom da vida, que, permanecendo nas mãos do Pai, é restituída ao Filho numa nova e esplêndida forma. Assim portanto a Ressurreição é o dom mesmo da Vida restituída ao Filho em paga do Seu sacrifício. Cristo tem disto consciência e exprime-a também na alegoria do Bom Pastor: Ninguém ma tira (a vida); sou eu que a dou por mim mesmo. Tenho poder para a dar e para retomá-la (Jo. 10, 18).
Estas palavras referem-se evidentemente à Ressurreição, e exprimem toda a profundidade do mistério pascal.
2. Jesus é Bom Pastor porque dá a Sua vida ao Pai deste modo: entregando-a em sacrifício, oferece-a pelas  ovelhas.
Aqui entramos no terreno duma esplêndida e fascinadora semelhança, já tão querida aos profetas do Antigo Testamento. Eis as palavras de Ezequiel:
Com efeito, eis o que diz o Senhor Deus: Eu mesmo vou tomar conta das Minhas ovelhas e cuidarei delas … Sou Eu que apascentarei as Minhas ovelhas, sou Eu quem as fará descansar …(Ez. 34, 11.15; cfr. Jer. 31, 30).
Retomando esta imagem, Jesus revelou um aspecto do amor do Bom Pastor que o Antigo Testamento não pressentia ainda: oferecer a vida pelas ovelhas.
Jesus no Seu ensinamento, como é sabido, servia-se muitas vezes de parábolas para tornar compreensível aos homens, geralmente simples e habituados a pensar por meio de imagens, a verdade divina que anunciava. A imagem do Pastor e do rebanho era familiar à experiência dos Seus ouvintes, como não deixa de ser familiar à mentalidade do homem contemporâneo. Embora a civilização e a técnica façam impetuosos progressos, esta imagem continua ainda a ser actual na presente realidade. Os pastores levam as ovelhas aos pastios (como, por exemplo, nas montanhas polacas donde provenho) e lá ficam com elas durante o verão. Acompanham-nas nas deslocações dentro dos pastios. Guardam-nas para que não se tresmalhem e de modo especial defendem-nas dos animais selvagens, como nos diz o texto evangélico: o lobo arrebata e dispersa as ovelhas (Jo. 10, 12).
O Bom Pastor, segundo as palavras de Cristo, é precisamente aquele que, «vendo vir o lobo», não foge, mas está pronto a expor a própria vida, lutando com o ladrão a fim de que nenhuma das ovelhas se perca. Se não estivesse pronto a isto, não seria digno do nome de Bom Pastor. Seria mercenário, mas não Pastor.
Este é o discurso alegórico de Jesus. O significado essencial dele está exactamente nisto: em que o bom pastor oferece a vida pelas ovelhas (Jo. 10, 11). Isto significa, no contexto dos acontecimentos da Semana Santa, que Jesus, morrendo na cruz, ofereceu a vida por cada homem e por todos os homens.
«Só Ele podia fazê-lo; Ele só podia levar o peso do mundo inteiro, o peso dum mundo culpado, a carga do pecado do homem, do presente e do futuro — os sofrimentos que nós deveríamos, mas não pudemos, pagar —, “no Seu corpo, sobre o madeiro da cruz” (1Pd. 2, 24) com um Espírito eterno “oferecendo-se a Si mesmo sem mancha a Deus … para servir o Deus vivo” (Heb. 9, 14). Isto foi o que fez Cristo, que deu a Sua vida por todos: e por isso é chamado Bom Pastor» (Card. J. H. Newman, Parochial and Plain Sermons, 16, London 1899, pág. 235).
Mediante o sacrifício pascal, todos se tornaram o Seu rebanho — porque Ele a cada um assegurou aquela vida divina e sobrenatural, que desde a queda do homem, por causa do pecado original, fora perdida. Só Ele a podia restituir ao homem.”(…)
Trechos do discurso proferido pelo Papa João Paulo II na Assembléia Geral de 9 de maio de 1979(uma quarta-feira)
Fonte: www.vatican.va

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